Ateísmo HighTech

Quando fiz oito anos de idade, meu avô materno me deu de presente a coleção completa da enciclopédia Barsa. Não entendi muito bem o que tinha em mãos, até que perguntei a ele o que havia naquelas volumosas páginas e fascículos com letras miúdas. Sua resposta foi simples, e ao mesmo tempo intimidadora: “tudo que você quiser saber.”.  Aos doze, quando fui matriculado por meus pais na escola dominical católica, também
me deparei com um livro… Dessa vez era apenas um, porém a mesma capa dura e preta,  com letras douradas. Era uma bíblia. Não hesitei: ainda em minha inocência, porém sagaz inquietude, questione sobre seu conteúdo para o padre, e surpreendentemente, a resposta foi: “tudo que você quiser saber.”

Com quatorze anos de idade, fui apresentado ao meu primeiro computador pelo meu tio, e consequentemente a internet, tal qual não foi minha surpresa ao ouvir, que na internet era possível eu encontrar “tudo que eu quisesse saber.” Em suma, com quinze anos de idade eu teria sem saber, sido apresentado a um conflito que assola a humanidade por séculos: Ciência x Religião. Demorei pelo menos mais sete anos, para ler e estudar um pouco mais sobre cada um dos livros ou tecnologias apresentadas,  e demorei mais um bocado para descobrir que em nenhum desses livros, ou nessa “tal internet”, eu encontraria uma resposta definitiva e clara para todas as minhas dúvidas terrenas.

Pois bem, dentre provas na escola e produtos de limpeza vendidos de porta em porta (meu primeiro emprego) , difícil era encontrar tempo para sequer formar uma opinião filosófica ou religiosa sólida, então virei católico por herança… Mas mesmo assim, decidi aos poucos que como ser humano pensante, eu não era obrigado a seguir as crenças dos meus pais, mesmo achando extremamente correto respeitá-los por mais que mudasse meu caminho. Afinal  eram meus pais, e aquelas eram as crenças que eles tiverem por toda sua vida, então eu iria  em primeiro lugar ter uma postura digna diante de suas palavras, antes de sonhar em seguir qualquer caminho diferente.

 

Foto: reprodução

Foto: reprodução

Uma vez compreendendo isso, tomei meus rumos, acreditei, desacreditei, sonhei, me desiludi, sofri, sorri, tive fé e perdi fé, e no fim de tudo isso, após um longo período de reflexões, deixei em minha vida tudo o que me fazia bem, e que me trazia paz, independente de qual religião ou seita partiam os princípios cujos quais resolvi seguir. Não vou falar sobre essas minhas crenças, esse não é o ponto , tampouco aonde quero chegar. O motivo pelo qual vivi nessas linhas essa rápida melancolia “retrô”, foi para lembrar de uma época que o respeito se aliava às crenças, que não havia cyber-espaço para descontar minhas frustações cotidianas em outros seres humanos, ofendendo sem pudores na web, quem torce pra um time rival, quem é homossexual, quem é heterossexual, quem acredita em Deus ou quem é Ateu.

Digo isso porque na última páscoa, vagando pelo facebook, vi uma foto de uma cruz. Era uma foto bem feita, retocada digitalmente, com um lindo pôr do sol, e algum texto bonito sobre o verdadeiro significado da páscoa. Eu lia o texto, quando meus olhos desviaram  para o último comentário recém inserido na legenda da foto: “ Acreditar em Deus é igual acreditar em coelhinho da páscoa! Crentes idiotas, vão dar todo seu dinheiro para o pastor…”  . Não parou por ai, ficou pior, e bem pior, de forma que eu cheguei acreditar que algum evangélico se desconverteria ao ler tanta agressão. Enfim, continuei lendo o comentário, esperando ansioso pelo desfecho das opiniões, uma vez que um ponto de vista tão sólido deveria oferecer argumentos no mínimo razoáveis para que haja um debate… Mas tal não foi minha surpresa quando vi que esses argumentos simplesmente não existiam.

Ao entrar no facebook do garoto denominado “Thiago”, ainda curioso para saber mais sobre sua filosofia de vida e pensamentos, pude notar que este fazia parte de uma página voltada ao ateísmo, e foi aí que adentrei num mar de vergonha alheia. Notei dezenas de “Pedros”, “Thiagos”, “Marcos” ,”Paulos” , crianças ironicamente com esses nomes devido aos seus pais católicos, que com certeza não tem ideia do que é a barsa, ou se quer abriram a bíblia em suas vidas, atacando teístas, não com argumentos sólidos, formados após reflexões e experiências, mas sim com muita ironia, e uma boa dose de humor negro.

Fiquei triste, não por sua crença ou falta dela, mas por entender finalmente que essa nova geração, em sua grande maioria, não tem argumentos para defender tese nenhuma: sua armas são ofensas e deboches, costumeiros em seu meio. A base para suas opiniões provém de blogs ou vlogs, de outros adolescentes descolados, que por assistirem Discovery Channel  ou assistindo à dois ou três vídeos no Youtube sobre o universo, acreditam ser os mestres dos segredos do universo, chegando a conclusão assim que Deus não existe. Porque não se trata de qual religião escolher. Somos todos livres. Mas sim de ofender a existência delas ou de outras diferentes, sem nenhum tipo de conhecimento, envolvimento, estudo. E principalmente sem respeitar que existam opiniões e crenças distintas.

Sou a favor da liberdade de expressão, mas contra a incitação do ódio gratuito, coisa que só piora a situação desse mundo tão conturbado. E a humanidade cada vez mais se divide, e cada vez mais cria barreiras invisíveis que nos afastam. Orgulho? Orgulho de ser Brasileiro, de ser bom, de ser solidário. Orgulho de respeitar o próximo mesmo quando ele é diferente de nós. Esse é o verdadeiro orgulho que devemos valorizar. Porque a vida passa rápido e, seja lá que fim ela tenha, sempre, sempre termina. E o que faz falta? É exatamente a união. As pessoas. E o amor. Espero, inclusive, que um dia eu encontre meu avô novamente, com algum livro novo pra me oferecer, me dizendo que ali tem “tudo que eu queira saber”.

 

2 pensamentos sobre “Ateísmo HighTech

  1. Não podemos julgar o todo por minorias. Assim como teístas bobos, existem os ateus bobos, porém há uma diferença brutal entre as escolhas: nunca vi alguém se tornar ateu por raiva de qualquer deus (só o Drácula). Para alguém se tornar ateu só conheço um caminho, e este é o estudo dos “textos sagrados”, o que torna a maioria absoluta dos ateus, estudante das religiões, e sou capaz de afirmar que os ateus leem mais a bíblia que qualquer cristão, porém, leem em busca de respostas, não de afirmações categóricas e afirmações absolutas, o que permite uma visão imparcial e crítica dos textos.
    O que há de novo que a informação agora, devido o uso da net, e até o facebook, permitiu a liberdade de se buscar dados, trocar ideias, vídeos, textos, permitiu discussões abertas, o que vem fazendo crescer de forma até assustadora o número de ateus, que foram sim, desconvertidos e libertados dos medos ensinados pelas escolas, sociedades e famílias.
    seu texto está muito bom, e abre uma grande possibilidade de discussão em cada capítulo, inclusive nos pontos não religiosos, como por exemplo, afirmas que o mundo está dividido e que você tem orgulho de ser brasileiro, ou seja, tem orgulho da divisão entre nações…então, espero um dia podermos dialogar mais sobre crenças, ideias e ideais, sociedades, culturas e mudanças….até mais

    • Olá Walter, tudo bem?
      Acredito que a intenção do texto seja realmente mostrar esse pessoal que é ateu por nada. Concordo que existam esses de verdade, que tomam quase que como religião o “não ter religião”. Mas tem muita gente agora que quer ser descrente, até mesmo por não ter encontrado uma religião apta, simplesmente porque só julga a existência de uma ou duas religiões… Eu acho que foi mais ou menos nessa linha que o autor quis dizer…

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